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Reflexo

por Psaharah, em 27.06.12

O espelho na parede sempre estivera lá, pendurado na parte mais escondida da casa.

Tantas pessoas por ele passaram, mas, cegas pela monotonia diária, não prestavam atenção às camadas de pó que se iam acumulando.

Naquele dia, sem motivo aparente, ela parou em frente ao velho espelho e começou a limpar o pó que o cobria.

À medida que o fazia, a sala pareceu duplicar. Mas tudo o que era reflectido, embora fosse o mesmo na sua essência, era-o de uma natureza diferente.

Apesar de não esperar que esta metamorfose ocorresse em todos os elementos, foi uma surpresa quando reparou que o rosto que lhe retribuiu o sorriso não era o seu.

Mas se assim era, porque é que ele piscava o olho ao mesmo tempo que ela o fazia? E porque é que a mão dele era a simetria exacta daquela que ela tinha no ar?

E ambos partilhavam o mesmo espanto!

Perplexa, perdeu-se em contemplação, tentando reconhecer o estranho que a fitava do outro lado.

Quanto tempo se passou… não soube dizer, mas o certo é que quanto mais olhava, mais percebia.

Ele era ela. Ela era ele. Eram um só ser e dois cosmos. Duas metades da mesma matéria.

Ele era outra pessoa, mas alguém que ela conhecera a vida toda. Sabia os seus medos e anseios, ouvira os seus segredos e confissões, partilhou os seus sonhos e ambições. Conhecia-o melhor do que a ela própria. Mas porque é que aquele sorriso continuava por desvendar?

Ao encostar a mão na superfície lisa do espelho, sentiu o calor da palma que se encostou à dela e sobressaltou-se.

Sem se aperceber, foi-se aproximando cada vez mais, perdendo qualquer controlo que pudesse ter tido sobre o seu corpo.

Sentiu-se mover e uma fina película de ar advertiu-a de que já não se encontrava do mesmo lado.

Ao abrir os olhos, apercebeu-se de que tinha passado a vida toda a ver sombras e que finalmente saíra da caverna. As formas tinham mais harmonia, o contraste era mais acentuado. O vermelho era mais vermelho e o azul, mais azul. A luz entrava de todos os lados e de lado nenhum.

Os retratos nas paredes ganhavam vida, mexendo-se na sua imobilidade.

Viu que flutuava, embora os objectos abaixo dos seus pés se distinguissem tão nitidamente que os podia identificar. Levantou o olhar e, à sua frente, estava ele. Flutuando e segurando a sua mão.

Olharam-se longamente e sorriram. Eram dois estranhos de longa data.

Afastando-se da moldura, ainda de mãos dadas, não se preocuparam em olhar para trás.

Afinal, mais uns anos e o espelho estaria coberto de pó novamente.

Perly Ramos

02/06/2012

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publicado às 10:37



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